A mente que inventa memórias: por que lembramos diferente do que aconteceu?
- Drika Gomes

- 1 de out.
- 3 min de leitura

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Você já parou para pensar que suas lembranças não são um retrato fiel do que realmente aconteceu? Pois é. Toda vez que você recorda um momento, seu cérebro não aperta o play de uma gravação perfeita. O que ele faz é mais parecido com um diretor de cinema que reencena uma cena, mas sempre com novos ângulos, cortes e até personagens que não estavam lá.
É por isso que, quando duas pessoas viveram juntas a mesma situação, cada uma guarda memórias diferentes. Às vezes parecem até estar falando de histórias distintas. Mas por que isso acontece?
A memória não é um HD
Ao contrário do que muita gente imagina, nossa memória não funciona como um disco rígido de computador, que armazena dados de forma estática. A memória é plástica, dinâmica e reconstrutiva.
Quando vivemos algo, nosso cérebro armazena apenas pedaços daquela experiência: algumas imagens, sons, emoções e sensações físicas. Esses fragmentos ficam espalhados em várias regiões do cérebro — o hipocampo, por exemplo, funciona como uma espécie de “bibliotecário”, organizando e indexando onde cada pedacinho está guardado.
Quando você lembra de algo, o cérebro vai buscar esses fragmentos e, como um quebra-cabeça, tenta montar a cena. Só que, nesse processo, lacunas são preenchidas — às vezes com informações vindas da imaginação, de outras lembranças ou até de histórias que ouvimos de outras pessoas.
Por que duas pessoas lembram diferente da mesma cena?
Imagine um aniversário em família. Você se lembra da música que tocava e da alegria do parabéns. Seu irmão, no entanto, recorda a confusão porque o bolo caiu no chão. Quem está certo? Os dois.
A diferença é que emoções, atenção e contexto moldam a forma como cada cérebro armazena a cena. Se você estava focada na alegria, seu cérebro priorizou essa parte. Se seu irmão ficou frustrado com o bolo, a memória dele ficou marcada pelo desconforto.
A amígdala — região do cérebro ligada às emoções — tem papel fundamental nisso: quanto mais intenso o sentimento na hora, maior a chance daquela memória ser registrada com destaque. Mas isso não significa que será fiel ao “real”, e sim fiel ao que foi significativo para cada pessoa.
Falsas memórias: quando o cérebro inventa
Um fenômeno muito estudado pela neurociência é o das falsas memórias. Elizabeth Loftus, pesquisadora norte-americana, mostrou em seus experimentos que é relativamente fácil “plantar” lembranças em alguém. Por exemplo: sugerir repetidamente que a pessoa se perdeu no shopping quando criança pode fazê-la acreditar que aquilo realmente aconteceu, mesmo nunca tendo ocorrido.
Isso acontece porque o cérebro não armazena as memórias com um carimbo de “verdade” ou “mentira”. Ele trabalha com construções, e quanto mais vezes acessamos uma lembrança, mais sujeita ela fica a alterações. É como abrir um arquivo no computador: toda vez que você abre e fecha, pode acabar salvando uma nova versão.
Então, em quem confiar: na memória ou na realidade?
A grande questão é que não temos acesso ao “real bruto”, apenas ao que nosso cérebro interpretou, registrou e depois reconstruiu. E isso não é um defeito, é uma adaptação.
Se tivéssemos que guardar cada detalhe de cada segundo da vida, nosso cérebro ficaria sobrecarregado. Então, ele faz recortes, edições e ressignificações. No fundo, a memória não é apenas um registro, mas também uma ferramenta de identidade: ela serve para contar a história de quem somos, não para dar conta de todos os fatos.
Em resumo
Toda lembrança é uma reconstrução, não uma gravação fiel.
Emoções, atenção e contexto definem o que será registrado.
Duas pessoas podem viver a mesma cena e guardar lembranças diferentes.
Toda vez que relembramos, a memória pode se alterar um pouco.
A memória existe menos para guardar o passado e mais para nos ajudar a viver o presente e projetar o futuro.
✨ A mente nos prega peças, mas também nos dá sentido. Talvez, no fim das contas, não importe tanto o que realmente aconteceu, e sim o que nossa memória nos ajuda a compreender sobre nós mesmos.





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